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Programa 10: Carlos do Carmo - Letras

Acima, a chamada para o Programa 10.



 



Pesquisa: Maria Júlia Franco de Souza e Beatriz Macedo Souza



 



1) Os Putos



       Autores: Ary dos Santos / Paulo de Carvalho



 



Uma bola de pano, num charco



Um sorriso traquina, um chuto



Na ladeira a correr, um arco



O céu no olhar, dum puto



 



Uma fisga que atira, a esperança



Um pardal de calções, astuto



E a força de ser, criança



Contra a força dum chui, que é bruto



 



Parecem bandos de pardais à solta



Os putos, os putos



São como índios, capitães da malta



Os putos, os putos



 



Mas quando a tarde cai



Vai-se a revolta



Sentam-se ao colo do pai



É a ternura que volta



E ouvem-no a falar do homem novo



São os putos deste povo



A aprenderem a ser homens



 



As caricas brilhando, na mão



A vontade que salta, ao eixo



Um puto que diz, que não



Se a porrada vier, não deixo



 



Um berlinde abafado, na escola



Um pião na algibeira, sem cor



Um puto que pede, esmola



Porque a fome lhe abafa, a dor



 



2) Fado da saudade



       Autores: José Moreira / Fernando Pinto do Amaral



 



Nasce o dia na cidade, que me encanta



Na minha velha Lisboa, de outra vida



E com um nó de saudade, na garganta



Escuto um fado que se entoa, à despedida



E com um nó de saudade, na garganta



Escuto um fado que se entoa, à despedida



 



Foi nas tabernas de Alfama, em hora triste



Que nasceu esta canção, o seu lamento



Na memória dos que vão, tal como o vento



O olhar de quem se ama e não desiste



Na memória dos que vão, tal como o vento



O olhar de quem se ama e não desiste



 



Quando brilha a antiga chama, ou sentimento



Oiço este mar que ressoa, enquanto canta



E da Bica à Madragoa, num momento



Volta sempre esta ansiedade, da partida



Nasce o dia na cidade, que me encanta



Na minha velha Lisboa, de outra vida



 



Quem vive só do passado, sem motivo



Fica preso a um destino, que o invade



Mas na alma deste fado, sempre vivo



Cresce um canto cristalino, sem idade



Mas na alma deste fado, sempre vivo



Cresce um canto cristalino, sem idade



 



É por isso que imagino, em liberdade



Uma gaivota que voa, renascida



E já nada me magoa, ou desencanta



Nas ruas desta cidade, amanhecida



Mas com um nó de saudade, na garganta



Escuto um fado que se entoa, à despedida



 



3) Um homem na cidade



         Autores: Ary Dos Santos / José Luís Tinoco



 



Agarro a madrugada como se fosse uma criança,



uma roseira entrelaçada, uma videira de esperança.



 



Tal qual o corpo da cidade que manhã cedo ensaia a dança



de quem, por força da vontade, de trabalhar nunca se cansa.



 



Vou pela rua desta lua que no meu Tejo acendo cedo,



vou por Lisboa, maré nua que desagua no Rossio.



 



Eu sou o homem da cidade que manhã cedo acorda e canta,



e, por amar a liberdade, com a cidade se levanta.



 



Vou pela estrada deslumbrada da lua cheia de Lisboa



até que a lua apaixonada cresce na vela da canoa.



 



Sou a gaivota que derrota tudo o mau tempo no mar alto.



Eu sou o homem que transporta a maré povo em sobressalto.



 



E quando agarro a madrugada, colho a manhã como uma flor



à beira mágoa desfolhada, um malmequer azul na cor,



o malmequer da liberdade que bem me quer como ninguém,



o malmequer desta cidade que me quer bem, que me quer bem.



 



Nas minhas mãos a madrugada abriu a flor de Abril também,



a flor sem medo perfumada com o aroma que o mar tem,



flor de Lisboa bem amada que mal me quis, que me quer bem.



 



4) Canoas do Tejo



     Autor: Frederico de Brito



 



Canoa de vela erguida,



Que vens do Cais da Ribeira,



Gaivota, que andas perdida,



Sem encontrar companheira



 



O vento sopra nas fragas,



O Sol parece um morango,



E o Tejo baila com as vagas



A ensaiar um fandango



 



Canoa,



Conheces bem



Quando há norte pela proa,



Quantas docas tem Lisboa,



E as muralhas que ela tem



 



Canoa,



Por onde vais?



Se algum barco te abalroa,



Nunca mais voltas ao cais,



Nunca, nunca, nunca mais



 



Canoa de vela panda,



Que vens da boca da barra,



E trazes na aragem branda



Gemidos de uma guitarra



 



Teu arrais prendeu a vela,



E se adormeceu, deixá-lo



Agora muita cautela,



Não vá o mar acordá-lo



 



5) Por morrer uma andorinha



      Autores: Francisco Viana / Frederico de Brito / João da Mata



 



Se deixaste de ser minha



Não deixei de ser quem era



Por morrer uma andorinha



Não acaba a primavera



 



Como vês não estou mudado



E nem sequer descontente



Conservo o mesmo presente



E guardo o mesmo passado



 



Eu já estava habituado



A que não fosses sincera



Por isso eu não fico à espera



De uma emoção que eu não tinha



Se deixaste de ser minha



Não deixei de ser quem era



 



Vivo a vida como dantes



Não tenho menos nem mais



E os dias passam iguais



Aos dias que vão distantes



 



Horas, minutos, instantes



Seguem a ordem austera



Ninguem se agarre à quimera



Do que o destino encaminha



Pois por morrer uma andorinha



Não acaba a primavera



 



6) Lisboa menina e moça



      Autores: Ary dos Santos / Paulo de Carvalho



 



No castelo, ponho um cotovelo



Em Alfama, descanso o olhar



E assim desfaz-se o novelo



De azul e mar



À Ribeira encosto a cabeça



A almofada, na cama do Tejo



Com lençóis bordados à pressa



Na cambraia de um beijo



 



Lisboa menina e moça, menina



Da luz que meus olhos veem tão pura



Teus seios são as colinas, varina



Pregão que me traz à porta, ternura



Cidade a ponto luz bordada



Toalha à beira mar estendida



Lisboa menina e moça, amada



Cidade mulher da minha vida



 



No terreiro eu passo por ti



Mas da Graça eu vejo-te nua



Quando um pombo te olha, sorri



És mulher da rua



E no bairro mais alto do sonho



Ponho o fado que soube inventar



Aguardente de vida e medronho



Que me faz cantar



 



Refrão



Lisboa no meu amor, deitada



Cidade por minhas mãos despida



Lisboa menina e moça, amada



Cidade mulher da minha vida



 



7) Julia Florista (com Mariza)



      Autores: Joaquim Pimentel / Leonel Villar



 



A Júlia florista



Boémia e fadista, diz a tradição



Foi nesta Lisboa



Figura de proa da nossa canção



Figura bizarra



Que ao som da guitarra o fado viveu



Vendia flores



Mas os seus amores jamais os vendeu



 



Ó Júlia florista, tua linda história



O tempo marcou na nossa memória



Ó Júlia florista, tua voz ecoa



Nas noites bairristas



Boémias fadistas da nossa Lisboa



 



Chinela no pé



Um ar de ralé no jeito de andar



Se a Júlia passava



Lisboa parava pra a ouvir cantar



No ar um pregão



Na boca a canção, falando de amores



Encostado ao peito



A graça e o jeito do cesto das flores



 



Ó Júlia florista, tua linda história



O tempo marcou na nossa memória



Ó Júlia florista, tua voz ecoa



Nas noites bairristas



Boémias fadistas da nossa Lisboa



 



Ó Júlia florista, tua voz ecoa



Nas noites bairristas



Boémias fadistas da nossa Lisboa





8) Lisboa Oxalá (com Carminho)



       Autores: Nuno Júdice / Joaquim Campos



 



Tal qual esta Lisboa, roupa posta à janela



Tal qual esta Lisboa, roxa jacarandá



Sei de uma outra Lisboa, de avental e chinela



Ai Lisboa fadista, de Alfama e oxalá



 



Lisboa lisboeta, da noite mais escura



De ruas feitas sombra, de noites e vielas



Pisa o chão, pisa a pedra, pisa a vida que é dura



Lisboa tão sozinha, de becos e ruelas



 



Mas o rosto que espreita, por detrás da cortina



É o rosto d'outrora feito amor feito agora



Riso de maré viva numa boca ladina



Riso de maré cheia num beijo que demora



 



E neste fado deixo esquecido aqui ficar



Lisboa sem destino, que o fado fez cantar



Cidade marinheira sem ter que navegar



Caravela da noite que um dia vai chegar



 



9) Pontas soltas (com Ricardo Ribeiro)



      Autores: Maria do Rosário Pedreira / Joaquim Campos



 



Dizem que já não me queres



Que há outro na tua vida



E que é dele que tu gostas



São as línguas das mulheres



Que vinham lamber-me a ferida



Se me virasses as costas



 



Se eu não levo isso a peito



Nem olho para a desdita



Como coisa que se veja



Tu tens de perder o jeito



De ser sempre a mais bonita



E despertar tanta inveja



 



Dizem que já me enganaste



Soprando no meu ouvido



Fados de rara beleza



Não sei se me atraiçoaste



Mas eu senti-me traído



Mesmo sem ter a certeza



 



Nada disto acontecia



Se desses as tuas voltas



Sempre, sempre, ao meu redor



Tens de perder a mania



De deixar as pontas soltas



Na história do nosso amor



 



10) Fado do 112 (com Marco Rodrigues)



      Autores: Júlio Pomar / Armando Freire



 



Sem capricho ou presunção



Nesta torre de papel



Deita sete olhares de mel



Em metade de um limão



 



Na noite mais traiçoeira



Ruim, medonha, brutal



Descontada a pasmaceira



Do inferno do normal



 



Se me vires a cara séria



Juiz, togado ou em fralda



A julgar faltas, à balda



Num tribunal multimédia



 



E tomado o pensamento



Por rombo, machado ou moca



Pega no laser da moda



Dou-te o meu assentimento



 



Se me vires, por fraqueza



Por perfídia ou aflição



Mergulhado na tristeza



Com que se mói a razão



 



E servi-la à sobremesa



Das ceias da frustração



Assentado na baixeza



O programa da nação



 



Por favor peço-te só



Não te demores, vem logo



Traz gasolina, põe fogo



Meu amor, não tenhas dó



 



11) Nasceu assim, cresceu assim (com Mafalda Arnauth)



      Autores: Vasco Graça Moura / Fernando Tordo



 



Talvez a mãe fosse rameira de bordel



Talvez o pai um decadente aristocrata



Talvez lhe dessem à nascença amor e fel



Talvez crescesse aos tropeções na vida ingrata



 



Talvez o tenham educado sem maneiras



Entre desordens, navalhadas e paixões



Talvez ouvisse vendavais e bebedeiras



E as violências que rasgavam corações



 



Talvez ardesse variamente em várias chamas



Talvez a história fosse ainda mais bizarra



No desamparo teve sempre duas amas



Que se chamavam a viola e a guitarra



 



Pois junto delas talvez já o reconheçam



Talvez recusem dar-lhe o nome de enjeitado



E mesmo aqueles que o não cantam não esqueçam



Nasceu assim, cresceu assim, chama-se Fado



 



 



12) Calçada à portuguesa (com Cristina Branco)



       Autores: José Luís Tinoco / Ivan Lins e José L.Tinoco



 



Acendem-se os olhos do dia



Um sol feito de água e janelas



Nas ruas e praças, na cal e nas pedras



No cais que abrigou caravelas



 



Do alto das tuas muralhas



É todo o teu corpo que eu vejo



Vestido de claro, de azul e gaivotas



E os olhos no espelho do Tejo



 



Ai céu que encandeia os meus olhos



Ai estrelas nos olhos do dia



Ai margens que nos contam histórias



Do mar que ninguém conhecia



Ai naus de aventura



Com anjos na proa



Nos portos da minha alegria



 



No chão feito de preto e branco



Da calçada à portuguesa



Demoro o olhar, escrevo o teu nome



De dona do mar e princesa



 



Ai naus de aventura



Com anjos na proa



É assim que te vejo, Lisboa



 



13) Loucura (Sou do fado) (com Lucília do Carmo)



     Autores: Júlio Campos de Sousa / Frederico Brito



 



Sou do fado



Como sei



Vivo um poema cantado



De um fado que eu inventei



 



A falar



Não posso dar-me



Mas ponho a alma a cantar



E as almas sabem escutar-me



 



Chorai, chorai



Poetas do meu país



Troncos da mesma raiz



Da vida que nos juntou



 



E se vocês



Não estivessem a meu lado



Então não havia fado



Nem fadistas como eu sou



 



Esta voz tão dolorida é culpa de todos vós



Poetas da minha vida



É loucura, oiço dizer



Mas bendita esta loucura de cantar e de sofrer



 



Chorai, chorai



Poetas do meu país



Troncos da mesma raiz



Da vida que nos juntou



 



E se vocês



Não estivessem a meu lado



Então não havia fado



Nem fadistas como eu sou


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