Acima, a chamada para o Programa 3.
Pesquisa: Maria Júlia Franco de Souza e Beatriz Macedo Souza
1) Tudo isto é Fado – Amália Rodrigues
Autores: Fernando Carvalho / Aníbal Nazaré
Perguntaste-me outro dia, se eu sabia o que era o fado
Eu disse que não sabia, tu ficaste admirado
Sem saber o que dizia eu menti naquela hora
Disse-te que não sabia, mas vou-te dizer agora
Almas vencidas, noites perdidas, sombras bizarras
Na Mouraria, canta um rufia, choram guitarras
Amor ciúme, cinzas e lume, dor e pecado
Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado
Se queres ser o meu senhor e teres-me sempre a teu lado
Não me fales só de amor, fala-me também do fado
A canção que é o meu castigo só nasceu pra me perder
O fado é tudo o que eu digo mas o que eu não sei dizer
2) Ai, Mouraria – Amália Rodrigues
Autores: Frederico Valério / Amadeu do Vale
Ai, Mouraria, da velha Rua da Palma
Onde eu um dia deixei presa a minha alma
Por ter passado mesmo a meu lado certo fadista
De cor morena, boca pequena e olhar trocista
Ai, Mouraria, do homem do meu encanto
Que me mentia, mas que eu adorava tanto
Amor que o vento como um lamento levou consigo
Mais que inda agora, e a toda a hora, trago comigo
Ai, Mouraria, dos rouxinóis nos beirais
Dos vestidos cor-de-rosa, dos pregões tradicionais
Ai, mouraria, das procissões a passar
Da Severa, em voz saudosa, na guitarra a soluçar
3) Barco Negro – Amália Rodrigues
Autores: Caco Velho & Piratini / David Mourão Ferreira
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada na areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração
Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!
Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor, me diz que estás sempre comigo
No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo
Mãe Preta – Caco Velho e Piratini
Pele encarquilhada, carapinha branca
Gândola de renda caindo na anca
Embalando o berço do filho do sinhô
Que há pouco tempo a sinhá ganhou
Era assim que mãe preta fazia
Criava todo branco com muita alegria
Porém lá na senzala o seu pretinho apanhava
Mãe preta mais uma lágrima enxugava
Mãe preta, mãe preta, Mãe preta, mãe preta
Enquanto a chibata batia em seu amor
Mãe preta embalava o filho branco do sinhô
4) Foi Deus – Amália Rodrigues
Autor: Alberto Janes
Não sei, não sabe ninguém, por que canto o fado
Neste tom magoado de dor e de pranto
E neste tormento todo o sofrimento
Eu sinto que a alma cá dentro se acalma nos versos que canto
Foi deus que deu luz aos olhos
Perfumou as rosas deu oiro ao sol e prata ao luar
Foi deus que me pôs no peito um rosário de penas
Que vou desfiando e choro a cantar
E pôs as estrelas no céu e fez o espaço sem fim
Deu o luto às andorinhas... Ai, e deu-me esta voz a mim
Se canto não sei o que canto
Misto de ventura, saudade, ternura e talvez amor
Mas sei que cantando sinto o mesmo quando se tem um desgosto
E o pranto no rosto nos deixa melhor
Foi deus que deu voz ao vento
Luz ao firmamento e deu o azul às ondas do mar
Foi deus que me pôs no peito um rosário de penas
Que vou desfiando e choro a cantar
Fez poeta o rouxinol, pôs no campo o alecrim
Deu as flores à primavera... Ai, e deu-me esta voz a mim.
5) Lisboa antiga – Amália Rodrigues
Autores: José Galhardo / Amadeu do Vale / Raul Portela
Lisboa, velha cidade,
Cheia de encanto e beleza
Sempre a sorrir tão formosa,
E no vestir sempre airosa
O branco véu da saudade
Cobre o teu rosto linda princesa
Olhai, senhores, esta Lisboa de outras eras,
Dos cinco réis das esperas e das toiradas reais
Das festas, das seculares procissões,
Dos populares pregões matinais que já não voltam mais
Lisboa de oiro e de prata
Outra mais linda não vejo
Eternamente a bailar
E a cantar de contente
O teu semblante se retrata
No azul cristalino do Tejo
Olhai, senhores, esta Lisboa de outras eras,
Dos cinco réis, das esperas e das toiradas reais
Das festas, das seculares procissões,
Dos populares pregões matinais que já não voltam mais
6) Lisboa não seja francesa – Amália Rodrigues
Autores: José Galhardo / Raul Ferrão
Não namores os franceses
Menina, Lisboa
Portugal é meigo às vezes
Mas certas coisas não perdoa
Vê-te bem no espelho
Desse honrado velho
O seu belo exemplo atrai, vai
Segue este leal conselho
Não dês desgostos ao teu pai
Lisboa não sejas francesa
Com toda a certeza
Não vais ser feliz
Lisboa, que ideia daninha
Vaidosa, alfacinha,
Casar com Paris
Lisboa, tens cá namorados
Que dizem, coitados,
Com alma na voz
Lisboa, não sejas francesa
Tu és portuguesa
Tu és só pra nós
Tens orgulho às lindas fardas
Menina, Lisboa,
Vê lá bem pra quem te guardas
Donzela sem recato, enjoa
Tens aí tenentes,
Bravos e valentes,
Nados e criados cá, vá
Tenha modos mais decentes
Menina caprichosa e má
Lisboa não sejas francesa...
7) Cheira a Lisboa – Amália Rodrigues
Autores: César de Oliveira / Carlos Dias
Lisboa já tem sol, mas cheira a Lua
Quando nasce a madrugada sorrateira
E o primeiro eléctrico da rua
Faz coro com as chinelas na Ribeira
Se chove, cheira a terra prometida
Procissão tem o cheiro a rosmaninho
Na tasca da viela mais escondida
Cheira a iscas com elas e a vinho
Um cravo numa água furtada
Cheira bem, cheira a Lisboa
Uma rosa a florir na tapada
Cheira bem, cheira a Lisboa
A fragata que se ergue na proa
A varina que teima em passar
Cheira bem porque são de Lisboa
Lisboa tem cheiro de flores e de mar
Lisboa cheira aos cafés do Rossio
E o fado cheira sempre a solidão
Cheira a castanha assada se está frio
Cheira a fruta madura quando é Verão
Nos lábios há o cheiro de um sorriso
Manjerico tem um cheiro de cantigas
E os rapazes perdem o juízo
Quando lhes dá o cheiro a raparigas
Refrão
8) Valentim – Amália Rodrigues
Autores: Cancioneiro Popular
Adeus casa de meu pai, adeus largo do quinteiro
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
Adeus mocidade nova, adeus tempo de solteiro
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
No tempo das desfolhadas, lá na aldeia era um regalo
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
Era o tempo em que eu chegava a casa ao cantar do galo
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
Adeus casa de meu pai, adeus quarto da palhada
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
Era a cama onde eu dormia, ao chegar de madrugada
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
Adeus pau de marmeleiro, se ele falasse dizia
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
As pancadas que me deu, quando eu chegava ao ser dia
Quero o Valentim Olaró laró. Quero o Valentim Olaró meu bem
Adeus também ao meu pai, adeus vida de solteiro
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
Agora é que eu reconheço o valor do marmeleiro
Quero o Valentim, olaró laró. Quero o Valentim, olaró meu bem
9) Fado Malhoa – Amália Rodrigues
Autores: José Galhardo / Frederico Valério
Alguém que Deus já lá tem, pintor consagrado
Que foi bem grande e nos dói já ser do passado
Pintou numa tela com arte e com vida
A trova mais bela da terra mais querida
Subiu a um quarto que viu à luz do petróleo
E fez o mais português dos quadros a óleo
Um Zé de Samarra, com a amante a seu lado
Com os dedos agarra, percorre a guitarra
E ali vê-se o fado
Faz rir a ideia de ouvir com os olhos, senhores
Fará, mas não pra quem já o viu mas em cores
Há vozes da Alfama naquela pintura
E a banza derrama canções de amargura
Dali vos digo que ouvi a voz que se esmera
Boçal dum Faia banal, cantando a Severa
Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa
Boêmia e fadista, aquilo é de artista
Aquilo é Malhoa
Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa
Boêmia e fadista, aquilo é de artista
Aquilo é Malhoa
10) Fado do ciúme – Amália Rodrigues
Autores: Amadeu do Vale / Frederico Valério
Se não esqueceste o amor que me dedicaste
E o que escreveste nas cartas que me mandaste
Esquece o passado e volta para meu lado
Porque já estás perdoado de tudo que me chamaste
Volta meu querido, mas volta como disseste
Arrependido de tudo o que me fizeste
Haja o que houver, já basta pra teu castigo
Essa mulher que andava agora contigo
Se é contrafeito, não voltes, toma cautela
Porque eu aceito que vivas antes com ela
Pois podes crer, que antes prefiro morrer
Do que contigo viver sabendo que gostas dela
Só o que eu peço, é uma recordação
Se é que mereço um pouco de compaixão
Deixa ficar o teu retrato comigo
Pra eu julgar que ainda vivo contigo
11) Cansaço – Amália Rodrigues
Autores: Luís Macedo / Joaquim Campos
Por trás do espelho quem está
De olhos fixados nos meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao Deus dará
Deixando os olhos nos meus
Quem dorme na minha cama
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama
E lá de longe me chama
Misturado nos meus sonhos
Tudo o que faço ou não faço
Outros fizeram assim
Daí este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Não é feito só por mim
12) Lágrima – Amália Rodrigues
Autores: Amália Rodrigues / Carlos Gonçalves
Cheia de penas, cheia de penas me deito
E com mais penas, com mais penas me levanto
No meu peito, já me ficou no meu peito
Este jeito, o jeito de te querer tanto
Desespero, tenho por meu desespero
Dentro de mim, dentro de mim o castigo
Não te quero, eu digo que não te quero
E de noite, de noite sonho contigo
Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile, estende o meu xaile no chão
Estendo o meu xaile e deixo-me adormecer
Se eu soubesse, se eu soubesse que morrendo
Tu me havias, tu me havias de chorar
Por uma lágrima, por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar
Por uma lágrima, por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar
13) Amália – Amália Rodrigues
Autores: Frederico Valério / José Galhardo
Amália, quis Deus que fosse o meu nome
Amália, acho-lhe um jeito engraçado
Bem nosso e popular quando oiço alguém gritar
“- Amália, canta-me o fado”
Amália, esta palavra ensinou-me
Amália, tu tens na vida que amar
São ordens do Senhor, Amália sem amor
Não liga, tens de gostar
E como até morrer amar é padecer
Amália chora a cantar!
Amália, disse-me alguém com ternura
Amália, da mais bonita maneira
E eu, toda coração, julguei ouvir então
Amália pela vez primeira
Amália, andas agora à procura
Amália, daquele amor, mas sem fé
Alguém já mo tirou, alguém o encontrou
Na rua com a outra ao pé
E a quem lhe fala em mim, já só responde assim
“- Amália? Não sei quem é!”
14) Fado Português – Amália Rodrigues
Autores: Alain Oulman / José Régio
O Fado nasceu um dia
Quando o vento mal bulia
E o céu o mar prolongava
Na amurada dum veleiro
No peito dum marinheiro
Que, estando triste, cantava
Que, estando triste, cantava
Ai, que lindeza tamanha
Meu chão, meu monte, meu vale
De folhas, flores, frutos de oiro
Vê se vês terras de Espanha
Areias de Portugal
Olhar ceguinho de choro
Na boca dum marinheiro
Do frágil barco veleiro
Morrendo a canção magoada
Diz o pungir dos desejos
Do lábio a queimar de beijos
Que beija o ar, e mais nada
Que beija o ar, e mais nada
Mãe, adeus, adeus, Maria
Guarda bem no teu sentido
Que aqui te faço uma jura
Que ou te levo à sacristia
Ou foi Deus que foi servido
Dar-me no mar sepultura
Ora eis que embora outro dia
Quando o vento nem bulia
E o céu o mar prolongava
À proa de outro veleiro
Velava outro marinheiro
Que, estando triste, cantava
Que, estando triste, cantava