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Programa 12: As Vozes Históricas do Fado - Letras

Acima, a chamada para o Programa 12.



 



Pesquisa: Maria Júlia Franco de Souza e Beatriz Macedo Souza



 



1) Há festa na Mouraria – Alfredo Marceneiro



       Autor: António Amargo / Alfredo Marceneiro



 



Desde manhã, os fadistas



Jaquetão, calça esticada



Se aprumam com galhardia



Seguem as praxes bairristas



É data santificada



Há festa na Mouraria



 



Toda aquela que se preza



De fumar, falar calão



Pôr em praça a juventude



Nessa manhã chora e reza



É dia da procissão



Da senhora da saúde



 



Nas vielas do pecado



Reina a paz tranquila e santa



Vive uma doce alegria



À noite, é noite de fado



Tudo toca, tudo canta



Até a Rosa Maria



 



A chorar de arrependida



A cantar com devoção



Numa voz fadista e rude



Aquela rosa perdida



Da Rua do Capelão



Parece que tem virtude



 



2) Fado Hilário – Alberto Ribeiro



       Autor: Augusto Hilário



 



Quando o Hilário cantava



Alta noite no Choupal



Toda a tricana escutava



A sua voz de cristal



 



Tricana da minha vida



Se eu á noite fôr á Lapa



Hei-de levar-te escondida



Debaixo da minha capa



 



O Hilário disse um dia:



Ninguém mais será formado



Quando a velha academia



Deixar de cantar o fado



 



3) Fado das horas – Maria Teresa de Noronha



       Autor: António José de Bragança / Popular (fado das horas)



 



Chorava por te não ver



Por te ver eu choro agora



Chorava por te não ver



Por te ver eu choro agora



 



Mas choro só por querer,



Querer ver-te a toda a hora



Mas choro só por querer,



Querer ver-te a toda a hora



 



Passa o tempo de corrida



Quando falas e eu te escuto



Passa o tempo de corrida



Quando falas e eu te escuto



 



Nas horas da nossa vida,



Cada hora é um minuto



Nas horas da nossa vida,



Cada hora é um minuto



 



Quando estás ao pé de mim,



Sinto-me dona do mundo



Quando estás ao pé de mim,



Sinto-me dona do mundo



 



Mas o tempo é tão ruim



Tem cada hora um segundo



Mas o tempo é tão ruim



Tem cada hora um segundo



 



Deixa-te estar a meu lado



E não mais te vás embora



Deixa-te estar a meu lado



E não mais te vás embora



 



Pra meu coração, coitado,



Viver na vida uma hora



Pra meu coração, coitado,



Viver na vida uma hora.



 



4) Fado da sina – Hermínia Silva



       Autores: Amadeu do Vale / Jaime Mendes



 



Reza-te a sina nas linhas traçadas na palma da mão



Que duas vidas se encontram cruzadas no teu coração



Sinal de amargura, de dor e tortura, de esperança perdida



Indício marcado, de amor destroçado na linha da vida



 



E mais te reza na linha do amor que terás de sofrer



O desencanto ou leve dispor de uma outra mulher



Já que a má sorte assim quis, a tua sina te diz



Que até morrer terás de ser sempre infeliz



 



Não podes fugir ao negro fado brutal



Ao teu destino fatal que uma má estrela domina



Tu podes mentir às leis do teu coração



Mas ai... quer queiras quer não tens de cumprir a tua sina



 



Cruzando a estrada da linha da vida traçada na mão



Tens uma cruz, a afeição mal contida que foi uma ilusão



Amor que em segredo, nasceu quase a medo, pra teu sofrimento



E foi essa imagem a grata miragem do teu pensamento



 



E mais ainda te reza o destino que tens de amargar



Que a tua estrela de brilho divino, deixou de brilhar



Estrela que Deus te marcou, mas que bem pouco brilhou



E cuja luz aos pés da cruz já se apagou



 



5) O fado mora em Lisboa – Tony de Matos



       Autores: João Vasconcelos / Aníbal Nazaré



 



Passeia, pelo mundo inteiro



Por gostar da vida boa



Mas não mora no estrangeiro



O fado mora em Lisboa.



 



Já morou na Mouraria,



Mas depois num sobressalto



Tratou da mudança e um dia



Foi pro Bairro Alto.



 



O fadinho mora sempre, por castigo,



Num bairro antigo, num bairro antigo,



E a seu lado, pra falarem à vontade



Mora a saudade, mora a saudade.



 



Quase em frente, numa casa de pobreza



Vive a tristeza, vive a tristeza,



Tem corrido os velhos bairros sempre à toa



Mas mora em Lisboa, mas mora em Lisboa.



 



Quando vai cantar lá fora



Tem uma ideia bizarra.



Leva um estribilho que chora



Na voz triste da guitarra.



 



Canta lá dias a fio



Mas, depois numa ansiedade,



Volta sempre num navio



Chamado Saudade.



 



6) Olhos Castanhos – Francisco José



       Autor: Alves Coelho Filho



 



Teus olhos castanhos



De encantos tamanhos



São pecados meus,



São estrelas fulgentes,



Brilhantes, luzentes,



Caídas dos céus,



 



Teus olhos risonhos



São mundos, são sonhos,



São a minha cruz,



Teus olhos castanhos



De encantos tamanhos



São raios de luz.



 



Olhos azuis são ciúme



E nada valem para mim,



Olhos negros são queixume



De uma tristeza sem fim,



 



Olhos verdes são traição



São crueis como punhais,



Olhos bons com coração



Os teus, castanhos leais.



 



7) Lisboa é sempre Lisboa – Tristão da Silva      



       Autor: Artur Ribeiro / Nóbrega e Sousa



 



Lisboa tem o ar feliz de uma varina



E o vai e vem de uma canção em cada esquina



Pelos mercados fresca e gaiata



Faz zaragata, perde a tonta cabecita



 



Aqui e ali namora e ri e sem vaidade



Veste de chita, canta o fado e tem saudade



 



Lisboa é sempre Lisboa



Dos becos e das vielas



E das casinhas singelas



D’Alfama e da Madragoa



Dos namorados nas janelas



Das marchas que o povo entoa



Da velha Sé, das procissões, e da fé



Com seu pregões Lisboa é sempre Lisboa



 



Pela manhã, vai trabalhar toda garrida



De tarde ao chá, Lisboa ri cheia de vida



Mas à noitinha, olhos rasgados



Semi-cerrados na oração mais bizarra



 



Lisboa então só coração d’alma elevada



Presa à guitarra, canta até de madrugada



 



8) Rosinha dos Limões – Max



       Autores: Artur Ribeiro / Maximiano de Sousa



 



Quando ela passa franzina e cheia de graça



Há sempre um ar de chalaça no seu olhar feiticeiro



Lá vai catita, cada dia mais bonita



E o seu vestido de chita tem sempre um ar domingueiro



 



Passa ligeira, alegre e namoradeira



E a sorrir p'ra rua inteira vai semeando ilusões



Quando ela passa, vai vender limões à praça



E até lhe chamam por graça, a Rosinha dos limões



 



Quando ela passa junto da minha janela



Meus olhos vão atrás dela até ver da rua, o fim



Com ar gaiato, ela caminha apressada



Rindo por tudo e por nada e às vezes sorri p'ra mim



 



Quando ela passa apregoando os limões



A sós com os meus botões, no vão da minha janela



Fico pensando, que qualquer dia por graça



Vou comprar limões à praça, e depois caso com ela



 



9) Tia Macheta – Berta Cardoso



            Autores: João Linhares Barbosa / Manuel Soares



 



O amante não aparecera / Triste Severa / Sempre fiel



Chamou a tia Macheta / Velha alcoveta / P’ra saber dele



 



A velha pegou nas cartas / Sebentas fartas / De mãos tão sujas



E antes de as embaralhar / Pôs-se a grasnar como as corujas



 



Ele não vem, minha filha / Di-lo a espadilha / Há maus agoiros



Há também uma viagem / Um personagem / A dama d’oiros



 



Este conde é o meu fraco / Tome um pataco / Tia Macheta



A velha guardou as cartas / De sebo fartas / Sob a roupeta



 



Caíram três badaladas / Fortes, pesadas / Três irmãs gémeas



Cá fora nos portais frios / Cantam vadios / Feias blasfémias



 



O fidalgo não voltou / Severa o esperou / Até ser dia



E desde essa noite é que existe / O fado triste / Da Mouraria



 



10) Era só o que faltava – Maria Amélia Proença



       Autores: Jorge Rosa / António Redes Cruz



 



Duas cantigas



Improvisadas cantigas



Bastavam p'ràs nossas brigas



Deixarem de ter razão



 



Duas cantigas



Amorosas, ternurentas



Para afastar as cinzentas



Nuvens do meu coração



 



Duas cantigas



Mote de todos os dias



Chorilho de fantasias



Em que sempre acreditei



 



Até ao dia



Que pus cobro à cantoria



Que disse alto à melodia



E fui eu que lhas cantei



 



Desde essa hora



O seu pio foi-se embora



E não perde p'la demora



Se volta às modas antigas



 



Porque eu agora



Sei onde a verdade mora



E não vou là como outrora



Assim com duas cantigas



 



Duas cantigas



Feitas de frases bonitas



Para adoçar as desditas



De algum maldito ciúme



 



Duas cantigas



Boriladas, atrevidas



Mas sempre com as devidas



Fantasias do costume



 



Duas cantigas



P'ra me levarem à certa



Com muita maldade esperta



De que nunca duvidei



 



Até ao dia



Que pus cobro à cantoria



Que disse alto à melodia



E fui eu que lhas cantei



 



Desde essa hora



O seu pio foi-se embora



E não perde p'la demora



Se volta às modas antigas



 



Porque eu agora



Sei onde a verdade mora



E não vou là como outrora



Assim com duas cantigas



 



11) Não sou fadista de raça – Teresa Tarouca



       Autores: T. Cavazini / Alfredo Duarte



 



Não sou fadista de raça



Não nasci no Capelão



Eu canto o fado que passa



Nas asas da tradição



 



Nunca usei negra chinela



Nem vesti saia de lista



Nunca entrei numa viela



Mas tenho raça fadista



 



Tirei suspiros ao vento



Olhei um pouco o passado



Busquei do mar o lamento



E fiz assim o meu fado



 



É este fado famoso



Que em noites enluaradas



O Conde de Vimioso



Tangia nas guitarradas



 



Era fidalgo de raça



E ficou na tradição



Cantando o fado que passa



Na Rua do Capelão



 



12) Bateu-me à porta a tristeza – Ada de Castro



        Autores: Fernanda de Castro / Elvira de Freitas



 



Bateu-me à porta a tristeza



Que me anda a namorar



Não a quis à minha mesa



Para quê deixá-la entrar?



 



A tristeza foi-se embora



Mas voltou ao outro dia



Entrou, cá ficou e agora



Anda a prender a alegria



 



Tristeza porquê? se a vida é assim



De espinhos e rosas se faz um jardim



Tristeza porquê? se a vida é tão boa



More uma ilusão, um pássaro voa



 



Agora tem mais cuidado



Sabe que há momentos bons



E que a vida é como o fado



Que se canta em vários tons



 



A tristeza já não chora



E a sua alegria é tanta



Que aprendeu a rir e agora



Tem rouxinóis na garganta



 



13) Igreja de Santo Estevão – Fernando Maurício



       Autores: Gabriel d'Oliveira / Joaquim Campos



 



Na igreja de Santo Estêvão



Junto ao cruzeiro do adro



Houve em tempos guitarradas



Não há pincéis que descrevam



Aquele soberbo quadro



Dessas noites bem passadas



 



Mal que batiam trindades



Reunia a fadistagem / No adro da santa igreja



Fadistas, quantas saudades



Da velha camaradagem / Que já não há quem a veja



 



Santo Estêvão, padroeiro / Desse recanto de Alfama



Faz o milagre sagrado



Que voltem ao teu cruzeiro



Esses fadistas de fama / Que sabem cantar o fado



 



14) Meu amor morre no mar – Carlos Zel



       Autores: António Teixeira Vasconcelos / Pedro Rodrigues



 



Meu amor bebe dos rios



Dorme nos campos vazios



Que alguém um dia não quis



E abraça o corpo exangue



Todo manchado de sangue



Das terras do meu país



 



Ali o tempo é enorme



Meu amor que já não dorme



Acordou a madrugada



Libertou-se de desejos



Encheu a manhã de beijos



E a manhã não disse nada



 



Meu amor senta-se á mesa



Em casa da camponesa



No barco do marinheiro



Meu amor tem mil irmãos



Se todos dessem as mãos



Meu amor era o primeiro



 



Meu amor é minha terra



Meu amor morre na guerra



Meu amor não quer pensar



Vão as horas uma a uma



Entre pedaços de espuma



Meu amor morre no mar



 



15) A moda das tranças pretas – Vicente da Câmara



       Autor: Vicente da Câmara / Lino Bernardo Teixeira



 



Como era linda com seu ar namoradeiro



Até lhe chamavam “menina das tranças pretas”,



Pelo Chiado passeava o dia inteiro,



Apregoando raminhos de violetas.



 



E as raparigas d'alta roda que passavam



Ficavam tristes a pensar no seu cabelo,



Quando ela olhava, com vergonha, disfarçavam



E pouco a pouco todas deixaram crescê-lo.



 



Passaram dias e as meninas do Chiado



Usavam tranças enfeitadas com violetas,



Todas gostavam do seu novo penteado,



E assim nasceu a moda das tranças pretas.



 



Da violeteira já ninguém hoje tem esperanças,



Deixou saudades, foi-se embora e à tardinha



Está o Chiado carregado de mil tranças



Mas tranças pretas ninguém tem como ela as tinha.



 



16) O rapaz da camisola verde – Frei Hermano da Câmara



       Autor: Pedro Homem de Mello / Frei Hermano da Camara



 



De mãos nos bolso e de olhar distante,



Jeito de marinheiro ou de soldado,



Era um rapaz de camisola verde,



Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.



 



Perguntei-lhe quem era e ele me disse



"Sou do monte, Senhor, um seu criado".



Pobre rapaz de camisola verde,



Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.



 



Negra madeixa ao vento,



Boina maruja ao lado.



Negra madeixa ao vento,



Boina maruja ao lado.



 



Porque me assaltam turvos pensamentos?



Na minha frente estava um condenado.



Vai-te, rapaz da camisola verde,



Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.



 



Ouvindo-me, quedou-se altivo moço,



Indiferente à raiva do meu brado,



E ali ficou de camisola verde,



Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.



 



Soube depois ali que se perdera



Esse que só eu pudera ter salvado.



Ai do rapaz da camisola verde,



Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.



 



Ai do rapaz da camisola verde,



Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.



 



17) Duas santas – Argentina Santos



       Autores: Augusto Martins / José Maria dos Cavalinhos



 



Eu vi minha mãe rezando



Aos pés da Virgem Maria



Era uma santa escutando



O que outra santa dizia



 



Embalando os sonhos meus



Nos braços de quando em quando



Seus olhos iam fitando



O infinito dos céus



A pedir por mim a Deus



Eu vi minha mãe rezando



 



O seu peito era um sacrário



Onde o amor refulgia



Presa a atroz agonia



Vendo o meu triste fadário



De lágrimas fez um rosário



Aos pés da Virgem Maria



 



E quando um dia, porém



Aos seus pés ajoelhando



Ele contava, chorando



O travo que a vida tem



Eu julguei que a minha mãe



Era uma santa escutando


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