Programa 12: As Vozes Históricas do Fado - Letras
publicado em 08/03/2019
Acima, a chamada para o Programa 12.
Pesquisa: Maria Júlia Franco de Souza e Beatriz Macedo Souza
1) Há festa na Mouraria – Alfredo Marceneiro
Autor: António Amargo / Alfredo Marceneiro
Desde manhã, os fadistas
Jaquetão, calça esticada
Se aprumam com galhardia
Seguem as praxes bairristas
É data santificada
Há festa na Mouraria
Toda aquela que se preza
De fumar, falar calão
Pôr em praça a juventude
Nessa manhã chora e reza
É dia da procissão
Da senhora da saúde
Nas vielas do pecado
Reina a paz tranquila e santa
Vive uma doce alegria
À noite, é noite de fado
Tudo toca, tudo canta
Até a Rosa Maria
A chorar de arrependida
A cantar com devoção
Numa voz fadista e rude
Aquela rosa perdida
Da Rua do Capelão
Parece que tem virtude
2) Fado Hilário – Alberto Ribeiro
Autor: Augusto Hilário
Quando o Hilário cantava
Alta noite no Choupal
Toda a tricana escutava
A sua voz de cristal
Tricana da minha vida
Se eu á noite fôr á Lapa
Hei-de levar-te escondida
Debaixo da minha capa
O Hilário disse um dia:
Ninguém mais será formado
Quando a velha academia
Deixar de cantar o fado
3) Fado das horas – Maria Teresa de Noronha
Autor: António José de Bragança / Popular (fado das horas)
Chorava por te não ver
Por te ver eu choro agora
Chorava por te não ver
Por te ver eu choro agora
Mas choro só por querer,
Querer ver-te a toda a hora
Mas choro só por querer,
Querer ver-te a toda a hora
Passa o tempo de corrida
Quando falas e eu te escuto
Passa o tempo de corrida
Quando falas e eu te escuto
Nas horas da nossa vida,
Cada hora é um minuto
Nas horas da nossa vida,
Cada hora é um minuto
Quando estás ao pé de mim,
Sinto-me dona do mundo
Quando estás ao pé de mim,
Sinto-me dona do mundo
Mas o tempo é tão ruim
Tem cada hora um segundo
Mas o tempo é tão ruim
Tem cada hora um segundo
Deixa-te estar a meu lado
E não mais te vás embora
Deixa-te estar a meu lado
E não mais te vás embora
Pra meu coração, coitado,
Viver na vida uma hora
Pra meu coração, coitado,
Viver na vida uma hora.
4) Fado da sina – Hermínia Silva
Autores: Amadeu do Vale / Jaime Mendes
Reza-te a sina nas linhas traçadas na palma da mão
Que duas vidas se encontram cruzadas no teu coração
Sinal de amargura, de dor e tortura, de esperança perdida
Indício marcado, de amor destroçado na linha da vida
E mais te reza na linha do amor que terás de sofrer
O desencanto ou leve dispor de uma outra mulher
Já que a má sorte assim quis, a tua sina te diz
Que até morrer terás de ser sempre infeliz
Não podes fugir ao negro fado brutal
Ao teu destino fatal que uma má estrela domina
Tu podes mentir às leis do teu coração
Mas ai... quer queiras quer não tens de cumprir a tua sina
Cruzando a estrada da linha da vida traçada na mão
Tens uma cruz, a afeição mal contida que foi uma ilusão
Amor que em segredo, nasceu quase a medo, pra teu sofrimento
E foi essa imagem a grata miragem do teu pensamento
E mais ainda te reza o destino que tens de amargar
Que a tua estrela de brilho divino, deixou de brilhar
Estrela que Deus te marcou, mas que bem pouco brilhou
E cuja luz aos pés da cruz já se apagou
5) O fado mora em Lisboa – Tony de Matos
Autores: João Vasconcelos / Aníbal Nazaré
Passeia, pelo mundo inteiro
Por gostar da vida boa
Mas não mora no estrangeiro
O fado mora em Lisboa.
Já morou na Mouraria,
Mas depois num sobressalto
Tratou da mudança e um dia
Foi pro Bairro Alto.
O fadinho mora sempre, por castigo,
Num bairro antigo, num bairro antigo,
E a seu lado, pra falarem à vontade
Mora a saudade, mora a saudade.
Quase em frente, numa casa de pobreza
Vive a tristeza, vive a tristeza,
Tem corrido os velhos bairros sempre à toa
Mas mora em Lisboa, mas mora em Lisboa.
Quando vai cantar lá fora
Tem uma ideia bizarra.
Leva um estribilho que chora
Na voz triste da guitarra.
Canta lá dias a fio
Mas, depois numa ansiedade,
Volta sempre num navio
Chamado Saudade.
6) Olhos Castanhos – Francisco José
Autor: Alves Coelho Filho
Teus olhos castanhos
De encantos tamanhos
São pecados meus,
São estrelas fulgentes,
Brilhantes, luzentes,
Caídas dos céus,
Teus olhos risonhos
São mundos, são sonhos,
São a minha cruz,
Teus olhos castanhos
De encantos tamanhos
São raios de luz.
Olhos azuis são ciúme
E nada valem para mim,
Olhos negros são queixume
De uma tristeza sem fim,
Olhos verdes são traição
São crueis como punhais,
Olhos bons com coração
Os teus, castanhos leais.
7) Lisboa é sempre Lisboa – Tristão da Silva
Autor: Artur Ribeiro / Nóbrega e Sousa
Lisboa tem o ar feliz de uma varina
E o vai e vem de uma canção em cada esquina
Pelos mercados fresca e gaiata
Faz zaragata, perde a tonta cabecita
Aqui e ali namora e ri e sem vaidade
Veste de chita, canta o fado e tem saudade
Lisboa é sempre Lisboa
Dos becos e das vielas
E das casinhas singelas
D’Alfama e da Madragoa
Dos namorados nas janelas
Das marchas que o povo entoa
Da velha Sé, das procissões, e da fé
Com seu pregões Lisboa é sempre Lisboa
Pela manhã, vai trabalhar toda garrida
De tarde ao chá, Lisboa ri cheia de vida
Mas à noitinha, olhos rasgados
Semi-cerrados na oração mais bizarra
Lisboa então só coração d’alma elevada
Presa à guitarra, canta até de madrugada
8) Rosinha dos Limões – Max
Autores: Artur Ribeiro / Maximiano de Sousa
Quando ela passa franzina e cheia de graça
Há sempre um ar de chalaça no seu olhar feiticeiro
Lá vai catita, cada dia mais bonita
E o seu vestido de chita tem sempre um ar domingueiro
Passa ligeira, alegre e namoradeira
E a sorrir p'ra rua inteira vai semeando ilusões
Quando ela passa, vai vender limões à praça
E até lhe chamam por graça, a Rosinha dos limões
Quando ela passa junto da minha janela
Meus olhos vão atrás dela até ver da rua, o fim
Com ar gaiato, ela caminha apressada
Rindo por tudo e por nada e às vezes sorri p'ra mim
Quando ela passa apregoando os limões
A sós com os meus botões, no vão da minha janela
Fico pensando, que qualquer dia por graça
Vou comprar limões à praça, e depois caso com ela
9) Tia Macheta – Berta Cardoso
Autores: João Linhares Barbosa / Manuel Soares
O amante não aparecera / Triste Severa / Sempre fiel
Chamou a tia Macheta / Velha alcoveta / P’ra saber dele
A velha pegou nas cartas / Sebentas fartas / De mãos tão sujas
E antes de as embaralhar / Pôs-se a grasnar como as corujas
Ele não vem, minha filha / Di-lo a espadilha / Há maus agoiros
Há também uma viagem / Um personagem / A dama d’oiros
Este conde é o meu fraco / Tome um pataco / Tia Macheta
A velha guardou as cartas / De sebo fartas / Sob a roupeta
Caíram três badaladas / Fortes, pesadas / Três irmãs gémeas
Cá fora nos portais frios / Cantam vadios / Feias blasfémias
O fidalgo não voltou / Severa o esperou / Até ser dia
E desde essa noite é que existe / O fado triste / Da Mouraria
10) Era só o que faltava – Maria Amélia Proença
Autores: Jorge Rosa / António Redes Cruz
Duas cantigas
Improvisadas cantigas
Bastavam p'ràs nossas brigas
Deixarem de ter razão
Duas cantigas
Amorosas, ternurentas
Para afastar as cinzentas
Nuvens do meu coração
Duas cantigas
Mote de todos os dias
Chorilho de fantasias
Em que sempre acreditei
Até ao dia
Que pus cobro à cantoria
Que disse alto à melodia
E fui eu que lhas cantei
Desde essa hora
O seu pio foi-se embora
E não perde p'la demora
Se volta às modas antigas
Porque eu agora
Sei onde a verdade mora
E não vou là como outrora
Assim com duas cantigas
Duas cantigas
Feitas de frases bonitas
Para adoçar as desditas
De algum maldito ciúme
Duas cantigas
Boriladas, atrevidas
Mas sempre com as devidas
Fantasias do costume
Duas cantigas
P'ra me levarem à certa
Com muita maldade esperta
De que nunca duvidei
Até ao dia
Que pus cobro à cantoria
Que disse alto à melodia
E fui eu que lhas cantei
Desde essa hora
O seu pio foi-se embora
E não perde p'la demora
Se volta às modas antigas
Porque eu agora
Sei onde a verdade mora
E não vou là como outrora
Assim com duas cantigas
11) Não sou fadista de raça – Teresa Tarouca
Autores: T. Cavazini / Alfredo Duarte
Não sou fadista de raça
Não nasci no Capelão
Eu canto o fado que passa
Nas asas da tradição
Nunca usei negra chinela
Nem vesti saia de lista
Nunca entrei numa viela
Mas tenho raça fadista
Tirei suspiros ao vento
Olhei um pouco o passado
Busquei do mar o lamento
E fiz assim o meu fado
É este fado famoso
Que em noites enluaradas
O Conde de Vimioso
Tangia nas guitarradas
Era fidalgo de raça
E ficou na tradição
Cantando o fado que passa
Na Rua do Capelão
12) Bateu-me à porta a tristeza – Ada de Castro
Autores: Fernanda de Castro / Elvira de Freitas
Bateu-me à porta a tristeza
Que me anda a namorar
Não a quis à minha mesa
Para quê deixá-la entrar?
A tristeza foi-se embora
Mas voltou ao outro dia
Entrou, cá ficou e agora
Anda a prender a alegria
Tristeza porquê? se a vida é assim
De espinhos e rosas se faz um jardim
Tristeza porquê? se a vida é tão boa
More uma ilusão, um pássaro voa
Agora tem mais cuidado
Sabe que há momentos bons
E que a vida é como o fado
Que se canta em vários tons
A tristeza já não chora
E a sua alegria é tanta
Que aprendeu a rir e agora
Tem rouxinóis na garganta
13) Igreja de Santo Estevão – Fernando Maurício
Autores: Gabriel d'Oliveira / Joaquim Campos
Na igreja de Santo Estêvão
Junto ao cruzeiro do adro
Houve em tempos guitarradas
Não há pincéis que descrevam
Aquele soberbo quadro
Dessas noites bem passadas
Mal que batiam trindades
Reunia a fadistagem / No adro da santa igreja
Fadistas, quantas saudades
Da velha camaradagem / Que já não há quem a veja
Santo Estêvão, padroeiro / Desse recanto de Alfama
Faz o milagre sagrado
Que voltem ao teu cruzeiro
Esses fadistas de fama / Que sabem cantar o fado
14) Meu amor morre no mar – Carlos Zel
Autores: António Teixeira Vasconcelos / Pedro Rodrigues
Meu amor bebe dos rios
Dorme nos campos vazios
Que alguém um dia não quis
E abraça o corpo exangue
Todo manchado de sangue
Das terras do meu país
Ali o tempo é enorme
Meu amor que já não dorme
Acordou a madrugada
Libertou-se de desejos
Encheu a manhã de beijos
E a manhã não disse nada
Meu amor senta-se á mesa
Em casa da camponesa
No barco do marinheiro
Meu amor tem mil irmãos
Se todos dessem as mãos
Meu amor era o primeiro
Meu amor é minha terra
Meu amor morre na guerra
Meu amor não quer pensar
Vão as horas uma a uma
Entre pedaços de espuma
Meu amor morre no mar
15) A moda das tranças pretas – Vicente da Câmara
Autor: Vicente da Câmara / Lino Bernardo Teixeira
Como era linda com seu ar namoradeiro
Até lhe chamavam “menina das tranças pretas”,
Pelo Chiado passeava o dia inteiro,
Apregoando raminhos de violetas.
E as raparigas d'alta roda que passavam
Ficavam tristes a pensar no seu cabelo,
Quando ela olhava, com vergonha, disfarçavam
E pouco a pouco todas deixaram crescê-lo.
Passaram dias e as meninas do Chiado
Usavam tranças enfeitadas com violetas,
Todas gostavam do seu novo penteado,
E assim nasceu a moda das tranças pretas.
Da violeteira já ninguém hoje tem esperanças,
Deixou saudades, foi-se embora e à tardinha
Está o Chiado carregado de mil tranças
Mas tranças pretas ninguém tem como ela as tinha.
16) O rapaz da camisola verde – Frei Hermano da Câmara
Autor: Pedro Homem de Mello / Frei Hermano da Camara
De mãos nos bolso e de olhar distante,
Jeito de marinheiro ou de soldado,
Era um rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.
Perguntei-lhe quem era e ele me disse
"Sou do monte, Senhor, um seu criado".
Pobre rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Porque me assaltam turvos pensamentos?
Na minha frente estava um condenado.
Vai-te, rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.
Ouvindo-me, quedou-se altivo moço,
Indiferente à raiva do meu brado,
E ali ficou de camisola verde,
Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.
Soube depois ali que se perdera
Esse que só eu pudera ter salvado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado.
17) Duas santas – Argentina Santos
Autores: Augusto Martins / José Maria dos Cavalinhos
Eu vi minha mãe rezando
Aos pés da Virgem Maria
Era uma santa escutando
O que outra santa dizia
Embalando os sonhos meus
Nos braços de quando em quando
Seus olhos iam fitando
O infinito dos céus
A pedir por mim a Deus
Eu vi minha mãe rezando
O seu peito era um sacrário
Onde o amor refulgia
Presa a atroz agonia
Vendo o meu triste fadário
De lágrimas fez um rosário
Aos pés da Virgem Maria
E quando um dia, porém
Aos seus pés ajoelhando
Ele contava, chorando
O travo que a vida tem
Eu julguei que a minha mãe
Era uma santa escutando