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Programa 7: Rui Veloso, Sérgio Godinho, Luís Represas e Jorge Palma (Letras)

publicado em 14/02/2020

 

Acima, a chamada para o Programa 7.

 

1) Porto Covo (Rui Veloso)

Carlos Tê / Rui Veloso

 

Roendo uma laranja na falésia

Olhando o mundo azul à minha frente

Ouvindo um rouxinol na redondeza

No calmo improviso do poente

 

Em baixo fogos trémulos nas tendas

Ao largo as águas brilham como prata

E a brisa vai contando velhas lendas

De portos e baías de piratas

 

Havia um pessegueiro na ilha

Plantado por um Vizir de Odemira

Que dizem que por amor se matou novo

Aqui, no lugar de Porto Côvo

 

A lua já desceu sobre esta paz

E reina sobre todo este luzeiro

Á volta toda a vida se compraz

Enquanto um sargo assa no brazeiro

 

Ao longe a cidadela de um navio

Acende-se no mar como um desejo

Por trás de mim o bafo do destino

Devolve-me à lembrança do Alentejo

 

Havia um pessegueiro na ilha

Plantado por um Vizir de Odemira

Que dizem que por amor se matou novo

Aqui, no lugar de Porto Côvo

 

Roendo uma laranja na falésia

Olhando à minha frente o azul escuro

Podia ser um peixe na maré

Nadando sem passado nem futuro

 

Havia um pessegueiro na ilha

Plantado por um Vizir de Odemira

Que dizem que por amor se matou novo

Aqui, no lugar de Porto Côvo

 

 

2) Paixão (Anel de Rubi) (Rui Veloso)

Carlos Tê / Rui Veloso

 

Tu eras aquela que eu mais queria

Para me dar algum conforto e companhia

Era só contigo que eu sonhava andar

Para todo o lado e até quem sabe talvez casar

 

Ai o que eu passei só por te amar

A saliva que eu gastei para te mudar

Mas esse teu mundo era mais forte do que eu

E nem com a força da música ele se moveu

 

Mesmo sabendo que não gostavas

Empenhei o meu anel de rubi

P'ra te levar ao concerto que havia no Rivoli

 

E era só a ti, que eu mais queria

Ao meu lado no concerto nesse dia

Juntos no escuro de mão dada a ouvir

Aquela música maluca sempre a subir

Mas tu não ficaste nem meia hora

Não fizeste um esforço p'ra gostar e foste embora

 

Contigo aprendi uma grande lição

Não se ama alguém que não ouve a mesma canção

 

Mesmo sabendo que não gostavas

Empenhei o meu anel de rubi

P'ra te levar ao concerto que havia no Rivoli

 

Foi nesse dia que percebi

Nada mais por nós havia a fazer

A minha paixão por ti, era um lume

Que não tinha mais lenha por onde arder

 

Mesmo sabendo que não gostavas

Empenhei o meu anel de rubi

P'ra te levar ao concerto que havia no Rivoli

 

 

3) Jura (Rui Veloso)

Carlos Tê / Rui Veloso

 

Jura que não vais ter uma aventura

Dessas que acontecem numa altura

E depois se desvanecem

Sem lembrança boa ou má

E por isso mesmo se esquecem

 

Jura que se tiveres uma aventura

Vais contar uma mentira

Com cuidado e com ternura

Vais fazer uma pintura

Com uma tinta qualquer

Que o ciúme é queimadura

Que faz o coração sofrer

 

Jura que não vais ter uma aventura

Porque eu hei-de estar sempre à altura

De saber

Que a solidão é dura

E o amor é uma fervura

Que a saudade não segura

E a razão não serena

Mas jura que se tiver de ser

Ao menos que valha a pena

 

 

4) Todo o tempo do mundo (Rui Veloso)

Carlos Tê / Rui Veloso

 

Podes vir a qualquer hora

Cá estarei para te ouvir

O que tenho para fazer

Posso fazer a seguir

 

Podes vir quando quiseres

Já fui onde tinha de ir

Resolvi os compromissos

agora só te quero ouvir

 

Podes-me interromper

e contar a tua história

Do dia que aconteceu

A tua pequena glória

O teu pequeno troféu

 

Todo o tempo do mundo

para ti tenho todo o tempo do mundo

Todo o tempo do mundo

 

Houve um tempo em que julguei

Que o valor do que fazia

Era tal que se eu parasse

o mundo à volta ruía

 

E tu vinhas e falavas

falavas e eu não ouvia

E depois já nem falavas

E eu já mal te conhecia

 

Agora em tudo o que faço

O tempo é tão relativo

Podes vir por um abraço

Podes vir sem ter motivo

Tens em mim o teu espaço

 

Todo o tempo do mundo

para ti tenho todo o tempo do mundo

Todo o tempo do mundo

 

 

5) Nunca me esqueci de ti (Rui Veloso)

João Monge / Rui Veloso

 

Bato a porta devagar,

Olho só mais uma vez

Como é tão bonita esta avenida...

É o cais. Flor do cais:

Águas mansas e a nudez

Frágil como as asas de uma vida

 

É o riso, é a lágrima

A expressão incontrolada

Não podia ser de outra maneira

É a sorte, é a sina

Uma mão cheia de nada

E o mundo à cabeceira

 

Mas nunca

Me esqueci de ti

Não nunca me esqueci de ti

Eu nunca me esqueci de ti

Não nunca me esqueci de ti

 

Tudo muda, tudo parte

Tudo tem o seu avesso.

Frágil a memória da paixão...

É a lua. Fim da tarde

É a brisa onde adormeço

Quente como a tua mão

 

Mas nunca

Me esqueci de ti

Não, nunca me esqueci de ti

Não, nunca me esqueci de ti

Eu nunca me esqueci de ti

 

Nunca me esqueci de ti

Não não não não não nunca me esqueci de ti

 

Não não não não não não não não

Nunca me esqueci de ti

Não não

Nunca me esqueci de ti...

 

 

6) Com um brilhozinho nos olhos (Sérgio Godinho)

Sérgio Godinho / Nuno Rafael

 

Com um brilhozinho nos olhos

E a saia rodada

Escancaraste a porta do bar

Trazias o cabelo aos ombros

Passeando de cá para lá

Como as ondas do mar

Conheço tão bem esses olhos

E nunca me enganam

O que é que aconteceu diz lá

É que hoje fiz um amigo

E coisa mais preciosa no mundo não há

É que hoje fiz um amigo

E coisa mais preciosa no mundo não há

 

Com um brilhozinho nos olhos

Metemos o carro

Muito à frente muito à frente dos bois

Ou seja fizemos promessas

Trocámos retratos

Traçámos projectos a dois

Trocámos de roupa trocámos de corpo

Trocámos de beijos tão bom é tão bom

E com um brilhozinho nos olhos

Tocámos guitarras

Pelo menos a julgar pelo som

E com um brilhozinho nos olhos

Tocámos guitarras

Pelo menos a julgar pelo som

 

E o que é que foi que ele disse?

E o que é que foi que ele disse?

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

 

Passa aí mais um bocadinho

Que estou quase a ficar louco

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Portanto

Hoje soube-me a pouco

 

Com um brilhozinho nos olhos

Corremos os estores

Pusemos a rádio no on

Acendemos a já costumeira

Velinha de igreja

Pusemos no off o telefone

E olha não dá para contar

Mas sei que tu sabes

Daquilo que sabes que eu sei

E com um brilhozinho nos olhos

Ficámos parados

Depois do que não te contei

E com um brilhozinho nos olhos

Ficámos parados

Depois do que não te contei

 

Com um brilhozinho nos olhos

Dissemos sei lá

Tudo o que nos passou pela tola

Do estilo: és o number one

Dou-te vinte valores

És um treze no totobola

E às duas por três

Bebemos um copo

Fizemos o quatro e pintámos o sete

E com um brilhozinho nos olhos

Ficámos imoveis

A dar uma de tête a tête

E com um brilhozinho nos olhos

Ficámos imoveis

A dar uma de tête a tête

 

E o que é que foi que ele disse?

E o que é que foi que ele disse?

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

 

Passa aí mais um bocadinho

Que estou quase a ficar louco

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Portanto

Hoje soube-me a pouco

 

E com um brilhozinho nos olhos

Tentámos saber

Para lá do que muito se amou

Quem eramos nós

Quem queriamos ser

E quais as esperanças

Que a vida roubou

E olhei-o de longe

E mirei-o de perto

Que quem não vê caras

Não vê corações

E com um brilhozinho nos olhos

Guardei um amigo

Que é coisa que vale milhões

E com um brilhozinho nos olhos

Guardei um amigo

Que é coisa que vale milhões

 

E o que é que foi que ele disse?

E o que é que foi que ele disse?

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

Hoje soube-me a pouco

 

Passa aí mais um bocadinho

Que estou quase a ficar louco

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Hoje soube-me a tanto

Portanto

Hoje soube-me a pouco

 

 

7) É terça-feira (Sérgio Godinho)

Sérgio Godinho

 

É terça-feira

e a feira da ladra

abre hoje às cinco

de madrugada

 

E a rapariga

desce a escada quatro a quatro

vai vender mágoas

ao desbarato vai vender

juras falsas, amargura

ilusões, trapos e cacos e contradições

 

É terça-feira

e das cinzas talvez

amanhã que é quarta-feira

haja fogo outra vez

o coração é incapaz de dizer "tanto faz"

parte p´ra guerra

com os olhos na paz

 

É terça-feira

e a feira da ladra

quase transborda

de abarrotada

 

E a rapariga

vende tudo o que trazia

troca a tristeza

pela alegria

 

E todos querem

Regateiam amarguras

Ilusões, trapos e cacos e contradições

 

É terça-feira

e das cinzas talvez

amanhã que é quarta-feira

haja fogo outra vez

o coração é incapaz

de dizer "tanto faz"

parte p´ra guerra

com os olhos na paz

 

É terça-feira

e a feira da ladra

fica enfim quieta

e abandonada

e a rapariga

deixou no chão um lamento

que se ergue e gira

e roda com o vento

e rodopia e navega

e joga à cabra-cega

é de nós todos

e a ninguém se entrega

 

É terça-feira

e das cinzas talvez

amanhã que é quarta-feira

haja fogo outra vez

o coração é incapaz

de dizer "tanto faz"

parte p´ra guerra

com os olhos na paz

 

 

8) Feiticeira (Luís Represas, com Pablo Milanés)

Francisco Viana / Luís Represas

 

De que noite demorada

Ou de que breve manhã

Vieste tu, feiticeira

De nuvens deslumbrada

 

De que sonho feito mar

Ou de que mar não sonhado

Vieste tu, feiticeira

Aninhar-te ao meu lado

 

De que fogo renascido

Ou de que lume apagado

Vieste tu, feiticeira

Segredar-me ao ouvido

 

De que fontes de que águas

De que chão de que horizonte

De que neves de que fráguas

De que sedes de que montes

De que norte de que lida

De que deserto de morte

Vieste tu feiticeira

Inundar-me de vida.

 

 

9) Perdidamente (Luís Represas)

Florbela Espanca; João Gil

 

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

 

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

 

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...

É condensar o mundo num só grito!

 

E é amar-te, assim, perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

 

 

10) Canção de Lisboa (Jorge Palma)

Jorge Palma

 

Os serões habituais

As conversas sempre iguais

Os horóscopos, os signos e ascendentes

Mais a vida da outra sussurrada entre os dentes

Os convites nos olhos embriagados

Os encontros de novo adiados

Nos ouvidos cansados ecoa

A canção de Lisboa

 

Não está só a solidão

Há tristeza e compaixão

Quando sono acalma os corpos agitados

Pela noite atirados contra colções errados

Há o silêncio de quem não ri nem chora

Há divórcio entre o dentro e o fora

E há quem diga que nunca foi boa

A canção de Lisboa

 

Mamã, mamã

Onde estás tu mamã

Nós sem ti não sabemos mamã

Libertar-nos do mal

 

A urgência de agarrar

Qualquer coisa para mostrar

Que afinal nos também temos mão na vida

Mesmo que seja a custa de a vivermos fingida

O estatuto para impressionar o mundo

Não precisa de ser mais profundo

Que o marasmo que nos atordoa

Ó canção de Lisboa

 

As vielas de néon

As guitarras já sem som

Vão mantendo viva a tradição da fome

Que a memória deturpa e o orgulho consome

Entre o orgasmo e a gruta ainda fria

O abandonado da carne vazia

Cada um no seu canto entoa

A canção de Lisboa

 

 

11) Encosta-te a mim (Jorge Palma)

Jorge Palma

 

Encosta-te a mim

Nós já vivemos cem mil anos

Encosta-te a mim

Talvez eu esteja a exagerar

Encosta-te a mim

Dá cabo dos teus desenganos

Não queiras ver quem eu não sou

Deixa-me chegar

 

Chegado da guerra

Fiz tudo pra sobreviver, em nome da terra

No fundo pra te merecer

Recebe-me bem

Não desencantes os meus passos

Faz de mim o teu herói

Não quero adormecer

 

Tudo o que eu vi

Estou a partilhar contigo

O que não vivi, hei de inventar contigo

Sei que não sei

Às vezes entender o teu olhar

Mas quero-te bem

Encosta-te a mim

 

Encosta-te a mim

Desatinamos tantas vezes

Vizinha de mim

Deixa ser meu o teu quintal

Recebe esta pomba que não está armadilhada

Foi comprada, foi roubada, seja como for

 

Eu venho do nada

Porque arrasei o que não quis

Em nome da estrada, onde só quero ser feliz

Enrosca-te a mim

Vai desarmar a flor queimada

Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer

 

Tudo o que eu vi

Estou a partilhar contigo, e o que não vivi

Um dia hei de inventar contigo

Sei que não sei, às vezes entender o teu olhar

Mas quero-te bem

 

Encosta-te a mim

Encosta-te a mim

Quero-te bem

Encosta-te a mim

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